Marcos T. Mercadante; Maria C. Rosario-Campos; Lucas C. Quarantini; Fabio P. Sato
fonte de pesquisa:
http://www.psiqweb.med.br
Transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de tiques
O TOC é um quadro crônico, caracterizado pela presença de obsessões e/ou compulsões. Os estudos sugerem a existência de diferentes subtipos, sendo, portanto, considerado um transtorno heterogêneo. Entre os possíveis subtipos, um tem sido melhor delimitado, o TOC associado a tiques ou à ST .
Os estudos epidemiológicos sugerem que 5% dos pacientes com TOC também apresentam ST, e 20% apresentam associação com TT.
Quadro clínico
Diagnosticar o TOC na infância nem sempre é tarefa fácil. Freqüentemente a criança esconde seus sintomas, sendo que os pais podem levar bastante tempo para notar a presença do problema. Não raro, os sintomas só são percebidos quando surgem ferimentos na pele ou lacerações na gengiva, decorrentes de rituais de limpeza, ou então pelo aumento do tempo gasto no banheiro, diminuição do desempenho escolar, tempo excessivo para adormecer ou comer.
Além do caráter sigiloso do TOC, a imaturidade cognitiva da criança acaba dificultando que a mesma defina o conteúdo dos seus pensamentos de forma clara. Já os tiques são facilmente reconhecidos. Habitualmente começam na região da face, com tiques simples como piscar os olhos, comportamento muitas vezes interpretado como apenas uma irritação dos olhos. Os tiques vocais tendem a iniciar mais tardiamente e, assim como os motores, habitualmente são confundidos com algum quadro inflamatório de vias aéreas superiores.
Associação entre TOC e tiques
O TOC com início antes da puberdade tende a ocorrer mais em meninos, e freqüentemente está associado a tiques motores. Esse quadro é diferente do observado no TOC de início mais tardio, em torno do início da segunda década de vida, que é mais freqüente em mulheres e tende a apresentar melhor resposta terapêutica. As evidências sugerem que o TOC e a ST apresentam relações genéticas e patofisiológicas. Nesse sentido, as disfunções dos gânglios da base e dos circuitos cortico-estriatais relacionados podem ser comuns aos dois quadros.
Compulsões "tic-like" estão presentes em 70 a 80% dos pacientes com TOC e ST e em 20 a 40% dos pacientes com TOC associado a tiques. Além disso, existe uma diferença nas experiências subjetivas que precedem ou acompanham os comportamentos repetitivos (compulsões ou tiques). Os casos de TOC sem comorbidade com tiques apresentam, mais freqüentemente, pensamentos, idéias ou imagens (fenômenos cognitivos) e sintomas somáticos de ansiedade (fenômenos de ansiedade autonômica) precedendo seus comportamentos. Os casos de TOC associado a ST ou de ST isolada, no entanto, relatam sensações desconfortáveis, físicas e/ou mentais (fenômenos sensoriais), precedendo os comportamentos repetitivos. Essas diferenças psicopatológicas têm sido úteis para o clínico poder identificar possíveis subgrupos, que parecem ter respostas diferenciadas aos tratamentos .
Os estudos atuais procuram identificar maneiras mais vantajosas para a investigação clínica e psicopatológica. Uma tendência tem sido agrupar obsessões e compulsões segundo determinadas dimensões (ou fatores) obtidas pelos métodos estatísticos de análise fatorial e análise de clusters. As seguintes dimensões sintomatológicas estão sendo propostas: obsessões de agressão/compulsões de verificação, obsessões sexuais, religiosas e somáticas/compulsões de verificação, obsessões de simetria e compulsões de ordenação/arranjo, obsessões de contaminação e compulsões de limpeza, e obsessões e compulsões de colecionismo.
A grande vantagem dessa abordagem, além de otimizar a investigação clínica, é verificada nos estudos de genética. Por exemplo, Alsobrook et al. relataram que, quando os probandos apresentaram altos escores nos fatores obsessões de agressão, sexuais, religiosas e somáticas/compulsões de verificação e obsessões de simetria /compulsões de ordenação, seus familiares de primeiro grau apresentaram um risco duas vezes maior de desenvolver TOC, tiques e ST. Mataix-Cols et al. relataram que pacientes que apresentavam sintomas no fator colecionismo apresentavam uma pior resposta ao tratamento com psicofármacos.
O mesmo tipo de procedimento pode ser observado na investigação da ST, na qual quatro fatores ou dimensões têm sido propostas: fenômenos agressivos (chutar, brigar, explodir), sintomas puramente motores e fônicos, fenômenos compulsivos (tocar, repetir falas, limpar a garganta) e uma dimensão complexa que reúne uma série de comportamentos.
Diagnóstico diferencial
O diferencial entre TOC e outros transtornos de ansiedade é matéria de extremo interesse para o avanço de um modelo de continuum psicopatológico. Por exemplo, a ansiedade de separação pode ser semelhante ao TOC quando a criança, além de sofrer pela ausência dos pais, ainda fica preenchida por pensamentos de que algo ruim possa acontecer a eles. Pacientes com quadro de pânico podem parecer obsessivos com idéias repetitivas de que vão adoecer, ou mesmo apresentar um comportamento compulsivo de verificação do seu estado de saúde. Além disso, pacientes com TOC freqüentemente experimentam episódios de intensa ansiedade, manifestando verdadeiros episódios de pânico. Crianças com obsessões somáticas (idéias obsessivas de doença) podem ter seus sintomas confundidos com sintomas do transtorno de pânico.
A comorbidade entre TOC e quadros depressivos é elevada (20 a 73% das crianças e adolescentes). Idéias ruminativas de conteúdo depressivo podem ser confundidas com pensamentos obsessivos, sendo que a presença de comportamentos repetitivos é um dos fatores que pode auxiliar na distinção dos dois transtornos.
Além das idéias prevalentes relacionadas com a depressão, outro tipo de sintoma que pode gerar certa confusão com o TOC são as idéias delirantes. No adulto, essa distinção tende a ser facilitada pelo fato da idéia delirante ser admitida como parte do sujeito. No entanto, em crianças, esta diferença nem sempre é clara. Quando isso ocorre, pode-se especificar o TOC como tendo um insight pobre ou associado a um diagnóstico de transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação.
Por fim, alguns transtornos que na realidade têm sido considerados parte de um espectro obsessivo-compulsivo podem dificultar o diagnóstico. O transtorno dismórfico corporal (TDC), caracterizado por uma preocupação com um defeito na aparência que causa sofrimento significativo ou prejuízo social ou ocupacional, é raro na infância. Este quadro tende a surgir na adolescência e apresenta uma prevalência aumentada em pacientes com TOC associado à ST. Alguns dos transtornos classificados como transtornos do controle dos impulsos, entre eles o jogo patológico, a tricotilomania, as compulsões sexuais, a cleptomania e o "comprar compulsivo", também têm sido incluídos no conceito de espectro obsessivo-compulsivo. O mais comum na infância é a tricotilomania, comportamento repetitivo de arrancar os pêlos da cabeça ou do corpo, levando à perda perceptível de cabelo. Não raro, o hábito de arrancar os cabelos é observado como sintoma de outros transtornos, como esquizofrenia, deficiência mental, transtornos invasivos do desenvolvimento, transtornos de personalidade, transtornos do humor, transtornos de ansiedade e de abuso de substâncias.
Comumente, o diagnóstico diferencial dos tiques com os transtornos descritos acima não é difícil, uma vez que o padrão orquestrado, a capacidade da criança suprimir os movimentos, ao menos temporariamente, e a presença de sensações antecedendo os movimentos tendem a facilitar a definição do quadro. O diferencial deve ser feito em relação aos distúrbios do movimento, tais como os quadros distônicos, mioclônicos, coreicos, certas ataxias, discinesias, acatisias e estereotipias. As epilepsias parciais também podem assemelhar-se aos tiques. Por vezes, é difícil reconhecer movimentos discinéticos em pacientes que fizeram uso crônico de neurolépticos para tratamento dos tiques.
O diagnóstico diferencial entre o TOC e a ST muitas vezes é difícil, principalmente quando se considera a semelhança entre compulsões e tiques complexos. Um ponto a ser considerado é a sobreposição entre esses dois quadros. Um critério que tem sido utilizado é classificar o movimento repetitivo como tique complexo quando a criança apresenta outros tiques, mas nenhum sintoma de TOC. Da mesma forma, quando a criança apresenta outros SOC, mas nenhum tique, o comportamento repetitivo é considerado como uma compulsão.
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