segunda-feira, 12 de setembro de 2011

TOC E TOURETTE

Entrevista bastante esclarecedora sobre TOC

Psique - Qual a diferença entre compulsão e obsessão?
Cordioli - Obsessões são pensamentos, impulsos, ideias, imagens, palavras que invadem involuntariamente a mente da pessoa. São sempre repetitivas e normalmente acompanhadas de medo, aflição, ansiedade e até de pensamentos negativos ou catastróficos. Esses pensamentos invasivos fazem que a pessoa adote alguma medida para reduzir o perigo imaginário, o desconforto. A obses- são pode desencadear a compulsão. Compulsões são atos repetitivos que a pessoa realiza com a finalidade de reduzir o risco associado a esses pensamentos invasivos. Resumidamente, obsessões são pensamentos, impulsos, ideias invasivas, involuntárias, e compulsões são atos, ações, que podem ser repetitivos.

Psique - O TOC se caracteriza quando a pessoa não tem o controle sobre essas compulsões?
Cordioli - Ele é caracterizado quando tanto obsessões quanto compulsões são muito intensas, interferem no dia a dia, compro- metem o relacionamento com os outros, o desempenho no trabalho, pois a pessoa que tem TOC precisa repetir várias vezes o mesmo ato, o que a faz perder muito tempo. Nesses casos, as obsessões e as compulsões são consideradas um transtorno. Diferentemente de um ato comum ou dúvidas que fazem alguém tomar uma atitude de, por exemplo, checar se a porta foi trancada ou não, não é necessaria- mente um transtorno. Só passa a ser quando interfere em sua vida, ou quando é acompanhado de muito sofrimento. Existe um critério. A Associação Americana de Psiquiatria estabelece o seguinte: quando a pessoa ocupa mais de uma hora do dia com seus pensamentos com- pulsivos ou realizando rituais, é considerado transtorno.

Psique - Então é a partir do tempo de repetição que a pessoa pode ser diagnosticada com transtorno? Cordioli - Não só com o tempo, mas com o grau do sofrimento. É uma questão subjetiva: saber até quando isto está interferindo de maneira prejudicial. Tem de causar interferência e sofrimento e ocupar arbitrariamente, como fora estipu- lado, pelo menos uma hora do dia.

Psique - Você pode salientar quais são as diferenças entre TOC com tiques e a Síndrome de Tourette?
Cordioli - No TOC, as compulsões em geral são precedidas de um pensamento invasivo, acompanhado de medo, aflição, desconforto, o que leva a pessoa a realizar um ato compulsivo. Por exemplo, um indivíduo toca em alguma coisa que imaginava estar infectado e, em função dessa imaginação, conclui que pode contrair uma doença .Por causa disso, ele lava exageradamente as mãos. Então essa lavação das mãos é a compulsão. É um ato voluntário, na verdade a pessoa lava a mão, mas poderia também não lavar. Porém, se não o faz fica muito aflita. Então isso é tipicamente do TOC.
Já o tique, em geral são atos involuntários, mais simples, como, por exemplo, piscar os olhos, movimentálos de um lado ao outro, sacudir os ombros. São movimentos involuntários e mesmo que a pessoa queira, ela não consegue interromper. Ela interrompe por um minuto ou dois, mas volta a fazer. E em geral o indivíduo com tiques tem uma lesão neural, ou seja, essas repetições causam um problema em uma determinada área do cérebro. Portanto, classificamos como uma doença neurológica.
E a doença de Tourette é caracterizada por múltiplos tiques, sendo que pelo menos um deles necessariamente é um tique vocal, desta forma, o sujeito emite um grunhido, um som, repete um ruído vocal. Como um pigarro ou uma tosse. Em semelhança, tanto nos TOCs quanto nos tiques, há os movimentos repetitivos,só que no TOC é um ato voluntário.
Na dúvida sobre se fechei ou não a porta posso verificar ou não. Mas se não for, ficarei nervoso, aflito, angustiado. Já com o tique não há essa opção. Se pisco os olhos, tento me conter por alguns minutos, mas logo em seguida estou piscando descontroladamente de novo. Há alguns rituais que lembram os tiques, como por exemplo, de pessoas que têm que dar uma batidinha ou raspar as paredes, mexem no queixo quando estão lendo, mordem os lábios ao dirigir, entre outros, mas esses atos não são considerados tiques. Há também algumas compulsões que não são precedidas por pensamentos catastróficos e lembram alguns tiques, por isso acreditamos que existam coisas em comum entre tiques e TOCs. Por exemplo, em clientes que têm TOCs, é muito comum ter familiares que também apresentam o transtorno.
Psique - Então você sugere que seja uma doença hereditária?
Cordioli - Existe sim de alguma forma certa herança, e no TOC isto está bem claro. O que se sugere é que a mesma área do cérebro esteja relacionada com os danos tanto no TOC quanto nos tiques. É uma região localizada na profundidade do cérebro chamada de gânglios da base, ou núcleos da base.

Psique - Alguns medicamentos para as pessoas com TOC são realmente indicados?
 Cordioli - Para o TOC temos dois tratamentos bem-estabelecidos. De um lado são os medicamentos, que antigamente eram usados apenas para depressão e hoje, com os avanços nas pesquisas, descobriu-se que também têm efeito antiobsessivo. São medicamentos que têm um tipo de ação: eles aumentam no cérebro os níveis de serotonina, em razão de eles bloquearem a chamada "recaptação" da serotonina para dentro das células. Vou explicar o processo da serotonina no cérebro: entre uma célula nervosa e outra, a serotonina é capturada por elas, desaparecendo e mantendo um fluxo contínuo. E esses remédios impedem o processo natural de captura, por isso elas aumentam os níveis de espaço entre um pensamento e outro. Portanto, alguns medicamentos são inibidores da captação de serotonina no campo cerebral e reduzem os sintomas do TOC.

Psique - A serotonina, então, é fundamental para o pensamento obsessivo?
Cordioli - Acredita-se que ela tenha um papel bastante importante. Mas isso ainda não foi comprovado. O fato é que os níveis de serotonina no cérebro reduzem os sintomas dos transtornos. Outro tratamento que também é efetivo, talvez mais que os remédios, é a chamada Terapia Cognitivo Comportamental, que faz que o cliente, à princípio, entenda seus limites e a forma "errada" de aprender a lidar com os seus medos, sua ansiedade e o desencadeamento de atos compulsivos. A Terapia Comportamental tem como objetivo corrigir essa aprendizagem errada, de fazê-lo entender como se expõe às coisas que precisa evitar, para assim ajudá- lo a controlar os rituais repetitivos em que é tentado a fazer. No início desta Terapia Comportamental, o cliente sente um aumento da ação, da necessidade, mas depois, gradualmente, se normaliza. Então, pode haver a eliminação completa dos sintomas.

Psique - Depois de tratados, os sintomas podem voltar?
Cordioli - Sim. Aqueles clientes que durante o tratamento conseguem eliminar por completo todos os sintomas, dificilmente recaem, porém, os que apresentam melhora, mas que não eliminam por completo o transtorno, possuem grande chance de recair. Por isso, recomendo sempre que continue o tratamento pelo menos com visitas esporádicas, e se tiver alguma recaída que voltem imediatamente, porque aí, em geral, retoma o controle mais rápido.

Psique - Existe uma cirurgia chamada "estimulação cerebral profunda", conhecida também como "marca-passo cerebral". É um método indicado?
Cordioli - É um procedimento experimental ainda, não está bem concreto. Em casos mais graves de TOCs os cientistas estão experimentando este método, que funciona na depressão, mas ainda não tem comprovação de êxito no tratamento de TOC. Portanto, por enquanto não está em condição de ser recomendado. O que se tem feito na área cirúrgica é a neurocirurgia, que já está bem-estabelecida e que é realizada há algum tempo. O procedimento consiste em flexionar certas estruturas do cérebro em clientes que apresentam TOC grave e que não responderam a medicamentos e à terapia. Em São Paulo, no Hospital das Clínicas, essa cirurgia é realizada agora com um método mais moderno: são os raios gama sem a necessidade de incisão na cabeça. O feixe de luz queima os pontinhos precisos no cérebro.

Psique - Então a cirurgia desvalida o tratamento?
Cordioli - Não, de forma alguma. Essa cirurgia é, em geral, para os pacientes refratários, ou seja, que não melhoravam com nada, nem com os medicamentos, nem com a terapia, os dois tratamentos clássicos do TOC. Depois da cirurgia, eles passam a responder a esses métodos. Daí a necessidade de continuar os tratamentos. A neurocirurgia não cura o TOC.

Psique - No Brasil, existe uma estatística que aponta quantas pessoas têm o TOC?
Cordioli - Calcula-se que em torno de 2,5% da população, ou seja, cerca de uma em cada 40 pessoas são portadoras do TOC. É uma doença que geralmente começa na infância, mas pode também ter início na adolescência. Dez por cento dos clientes ficam gravemente incapacitados pela doença. Ela tende a ser crônica para o resto da vida




Cordioli é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Medicina Psiquiátrica pela mesma universidade e também doutor em Ciências Médicas Psiquiátrica pela instituição gaúcha. Como médico, é especializado em Psiquiatria, com ênfase nas áreas sobre transtornos de ansiedade, especialmente transtorno obsessivo-compulsivo, psicoterapias em geral, terapia cognitivo-comportamental, terapia em grupo e psicofármacos
.http://portalcienciaevida.uol.com.br
 

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