CARTA ABERTA À SOCIEDADE SOBRE DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS RELATIVAS AOS TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM E AO TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE
¹ Documento publicado no Boletim da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia – Edição de Novembro de 2012.
Brasília, 03 de Dezembro de 2012
A mídia popular tem veiculado recentemente dezenas de matérias em que alguns profissionais defendem a inexistência de transtornos de aprendizagem e outros transtornos como o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade TDA/H. Em uma boa parte dessas matérias esses profissionais fornecem à população informações superficiais e equivocadas que podem levar a consequências extremamente nocivas para pacientes, familiares e para a população como um todo.
Primeiramente, confundem dificuldades e transtornos da aprendizagem.
O primeiro grupo, mais amplo, inclui toda ou qualquer condição que prejudica o processo de aquisição de conhecimento, seja na academia ou em qualquer outro contexto da vida do indivíduo. Fome, desnutrição, sono, estresse, situações de abuso, problemas de natureza emocional e, claro, uma escola de má qualidade, refletem de forma direta na capacidade de aprender de um indivíduo. Essas situações podem afetar seu desempenho e prejudicar a aquisição de informações.
No entanto, uma parcela desses indivíduos, mesmo quando inseridos em um sistema educacional favorável ou na ausência de fatores ambientais deletérios, apresenta dificuldades específicas em habilidades relacionadas à leitura, escrita e/ou matemática. Esses sim são considerados indivíduos com transtornos da aprendizagem e necessitam de diagnóstico precoce, intervenções específicas e bem fundamentadas na vasta literatura científica disponível.
Consideramos que aquelas pessoas que pertencem a classes sociais privilegiadas, têm condições de acesso a profissionais capazes de realizar diagnósticos e intervenções precoces e eficientes. No entanto, um grande número dessas pessoas, geralmente crianças que estudam na rede publica de ensino, não tem a devida oportunidade de acesso a profissionais fora do serviço público. Diversos países no mundo apresentam programas de identificação e intervenção precoce de transtornos de aprendizagem e TDAH, além de garantir o apoio educacional a estas crianças.
No Brasil, há total falta de reconhecimento oficial destes transtornos e estas manifestações de pequenos grupos que estão à margem do conhecimento científico têm prejudicado sobremaneira que as discussões técnico-científicas alcancem as esferas políticas.
As manifestações feitas por aqueles que defendem a ideia de que os transtornos de aprendizagem como a dislexia sejam inexistentes começou há cerca de três anos tendo por foco a proposta do projeto de lei de apoio a crianças com Dislexia do Desenvolvimento no município de São Paulo. Agora se estende através de comunicação do Conselho Regional de Psicologia- SP à respeito do TDAH e de outros transtornos específicos de aprendizagem, como a dislexia. Interessantemente, como no caso do TDAH, esses profissionais, sem fornecer qualquer dado científico consistente e ignorando publicações respeitadas e bem controladas sobre diagnóstico e tratamento, criticam e desqualificam as ações de sociedades científicas e civis de apoio aos esses indivíduos e seus familiares, tipicamente na base de opiniões pessoais e aparentemente sem consultar as bases de dados das principais revistas científicas internacionais e nacionais.
Efetivamente quem procura, acha. Por exemplo, vão encontrar dados mundiais da literatura que mostram uma prevalência de 5% para o TDAH em países de diferentes culturas. Isto não é coincidência. Pesquisas mostram que tanto no caso do
TDAH quanto dos transtornos de aprendizagem como a Dislexia, os sintomas não são dependentes de fatores culturais ou de uma escola com falhas pedagógicas e escassez de recursos.
Parece haver uma confusão importante. Há uma luta contra o estabelecimento de diagnósticos defendendo que há rotulações, estigmas e preconceitos contra as pessoas com Transtornos de Aprendizagem. Há um duplo erro nesta afirmação.
Em primeiro lugar porque diagnóstico não é rotulação. O diagnóstico é uma arma poderosa contra o preconceito ao abrir portas para o tratamento adequado/especializado e auxílio eficaz através de reabilitação cognitiva e intervenções escolares e apoio as pessoas com o Transtorno e familiares para lidarem com uma difícil, mas não intratável situação.
Em segundo lugar, a literatura internacional aponta que o diagnóstico bem realizado resulta em melhora da qualidade de vida da pessoa e da família, reduz as limitações e aumenta a inclusão das crianças, dependente de iniciativas do Estado, institucionais, clínicas e pessoais/familiares para estes ganhos.
Ou seja, a luta deve ser pelo diagnóstico bem realizado, baseado em critérios científicos bem estabelecidos e amplamente divulgados e disponíveis para quem quiser procurar!
Umas das alegações desse grupo de profissionais é que os critérios diagnósticos baseados nas escalas de comportamento não é critério de doença "Se você preencher seis das perguntas tem o diagnóstico de déficit de atenção, hiperatividade ou dos dois”
(afirmativa desse grupo de profissionais). Porém, a delimitação diagnóstica não se limita apenas aos critérios descritos em escalas de comportamento, mas a uma ampla variedade de comportamentos que são verificados em diferentes contextos que permitirão uma observação mais flexível e dinâmica da criança com TDAH, por exemplo, bem como na avaliação interdisciplinar que poderá afastar outras causas, como as ambientais.
Finalmente, a posição defendida pelo Conselho Regional de Psicologia da 6ª região – SP sobre o diagnóstico e tratamento de dislexia não representa a opinião, formação científica e prática de uma parte importante de psicólogos, especialistas em neuropsicologia e psicopedagogia, que trabalham diariamente contribuindo com diagnóstico clínico e intervenção altamente especializados, com fundamentação científica da literatura internacional e membros de sociedades científicas brasileiras e
internacionais. Alguns destes profissionais são pesquisadores de renomadas instituições de ensino superior brasileiras.
Assim, as Sociedades, laboratórios e grupos de pesquisa signatários do presente documento vêm tornar público que diverge da posição divulgada pelo CRP-SP sobre o diagnóstico e tratamento da Dislexia e dos demais transtornos de aprendizagem. Posição similar já foi exposta sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Por outro lado, continuaremos a apoiar as ações de caráter científico e bem fundamentadas na literatura, bem como ações governamentais e da sociedade civil para o diagnóstico e tratamento para os Transtornos de Aprendizagem, a fim de apoiar portadores, familiares e sociedade com vistas a um futuro melhor das crianças brasileiras.
1. Sociedade Brasileira de Neuropsicologia
2. Associação Brasileira de Psiquiatria
3. O Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Comportamento - IBNeC,
4. Associação Brasileira do Déficit de Atenção
5. Conselho Federal de Fonoaudiologia
6. Laboratório de Neuropsicolinguística Cognitiva Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
7. Sociedade interdisciplinar de Neurociências aplicadas à Saúde e Educação - SINAPSE
8. Centro Paulista de Neuropsicologia da Universidade Federal de São Paulo
9. Centro de Estudos e Atenção os Distúrbios da Leitura e Escrita da Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
10. Núcleo de Investigações sobre transtornos da Impulsividade e da Atenção da Universidade Federal de Minas Gerais.
11. Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento – Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
12. Laboratório de Neuropsicologia da Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis.
13. Laboratório de Neuropsicologia Clínica e Cognitiva da Universidade Federal da Bahia.
14. Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Ciências Cognitivas
15. Associação dos profissionais de Fonoaudiologia do Distrito Federal
16. Núcleo de Investigações Neuropsicológicas da Infância e Adolescência – Universidade Federal da Bahia – Vitória da Conquista.
16. Laboratório de Investigações Neuropsicológicas – do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
17. Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva (NEUROCOG) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
18. Cefac Associação Assistencial em Saúde e Educação.
19. Instituto ABCD.
20. Laboratório de Neurociências Cognitivas e Sociais – Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo.
21. Departamento de Saúde Mental – Faculdade de Medicina da UFMG.
22. Ambulatório de Neuropsicologia - Hospital Universitário Prof. Edgar Santos – da Universidade Federal da Bahia.
23. Serviço de Neurologia da Santa Casa de Belo Horizonte.
24. Setor de Psiquiatria da Infância e Adolescência - Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio de Janeiro.
25. Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins - Abenepi Nacional.
25. Laboratório de Transtornos da Aprendizagem e Atenção - DISAPRE/ Faculdade de Ciências Medicas - Unicamp, São Paulo
26. Centro de Investigação da Aprendizagem e Atenção - Ciapre/Campinas, São Paulo
27. Residência de Neurologia Infantil, HIJPII - FHEMIG/Minas Gerais
28. Centro de Neurologia Pediátrica - CENEP/ Paraná.
29. Servico de Psiquiatria do Departamento de Medicina da PUC de Goiás.
30. Instituto Glia – Cognição e Desenvolvimento e Comunidade Aprender Criança.
31. Laboratório de Neuropsicologia (Labneuro) da Universidade Federal do Paraná.
32. Laboratório de Processos cognitivos (LabCog), Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
33. Projeto ELO: escrita, leitura e oralidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro
34. Programa de Diagnostico e Intervenções Precoces do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
35. Programa de Déficit de Atenção/Hiperatividade (PRODAH) do Hospital das Clínicas de Porto Alegre na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
36. Disciplina de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Evangélica de Anápolis.
37. Núcleo de Neurociências do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.
38. Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
39. Instituto Paulo Brito – Recife.
40. Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul
41. Núcleo de Epistemologia das Neurociências e da Psiquiatria e Neurociência da Ética do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia.
42. Núcleo de Ensino, Assistência e Pesquisa em Escrita e Leitura - NEAPEL / UNIFESP-EPM.
43. Associação Nacional de Dislexia.
44. Laboratório de Desenvolvimento Cognitivo e da Linguagem do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
45. Associação de Saúde Mental Infantil de Goiás.
46. Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo.
47. Grupo Neuropsicologia Clínica e Experimental do Programa de Pós-graduação em Psicologia (Cognição Humana) da Pontifícia Universidade Católica do RS.
48. Núcleo de estudos em saúde mental, educação e Psicometria- Universidade Federal da Paraíba
49. Associação Mineira de Psiquiatria
50. Laboratório de Integração Sensorial do Departamento de Terapia Ocupacional da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais.
51. Ambulatório de Déficit de Atenção da Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo.
52. Serviço de Reabilitação e Ensino em Neurociencia Educacional – São Paulo.
53. Grupo de Pesquisa em Neurociências Cognitiva e Comportamental – Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
54. Cognoscere – FUNEDI – Universidade do Estado de Minas Gerais.
55. Residência de Neurologia pediatrica do HC - UFMG
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