O Jornal Correio Brasiliense , divulgou uma matéria no domingo sobre a síndrome e o " Nossavidacomtourette" e o "clic nervoso" foram entrevistados.
A importância da divulgação faz parte da qualidade de vida de um portador da síndrome. Vejam abaixo a reportagem de Campos Rafael.
Descontrole involuntário
Os tiques característicos da síndrome de Tourette constrangem o portador e desconcertam as demais pessoas. O problema não tem cura, mas há importantes paliativos, se o preconceito for superado
Rafael Campos
“Aos 14 anos, fui agredido com um cascudo por uma professora que não conseguia passar a lição porque eu, sentado bem à frente, estava mexendo muito os ombros e a cabeça”
Auber Lopes de Almeida, blogueiro
Aos 9 anos, o professor de inglês Anderson Guimarães, 35, deu início a uma batalha.
Nessa idade, uma combinação de gritos com jogadas violentas do braço assustou a criança e os seus pais. As duas manifestações chegaram juntas e, quanto mais ele percebia que não tinha controle sobre esses atos, mais nervoso ficava. Psicólogos, psiquiatras, neurologistas: nenhum desses profissionais sabia dizer o porquê dessas movimentos desenfreados.
Só quando ele tinha 29 anos é que descobriu a causa daqueles intensos tiques motores e vocais: síndrome de Tourette. O professor vivia no exterior à época e apenas desconfiava que o problema de nome estranho pudesse ser seu diagnóstico, já que não havia confirmação médica. Quando voltou ao Brasil, a mãe contou que assistira a um programa de tevê que detalhava a síndrome, percebendo o quanto a descrição era compatível com o problema de Anderson. “Só então os médicos puderam me diagnosticar. Meus tiques eram tão violentos nessa época que chorava de frustração”, recorda. A síndrome de Tourette é um distúrbio neuropsiquiátrico em que tiques vocais e motores se manifestam (não necessariamente ao mesmo tempo) sem o controle do paciente.
“Uma pessoa que tenha um tique motor, mas não um vocal, não tem Tourette. Os dois precisam ter se manifestado até os 21 anos de idade”, explica o neurologista Nasser Allam. O especialista afirma que a síndrome surge, normalmente, na primeira infância, e pode vir associada a outras comorbidades, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
“Apesar dos tiques, não há possibilidade de o portador ter uma deficiência intelectual ou mesmo o coeficiente intelectual reduzido. O que pode ocorrer é o paciente com Tourette associada ao TDAH ir mal na escola por falta de atenção”, garante. Ou por vergonha.
Descrever em palavras a violência e a variedade dos tiques do Tourette é difícil. Há pacientes que passam a vida inteira sem manifestações aparentes da doença — e há outros que chegam a sofrer fraturas tamanha é a intensidade dos impulsos. “Já tive vários tiques diferentes. Um dos primeiros era jogar o braço. Jogava tão forte que cheguei a deslocá-lo. Torcia a perna, me batia, estalava o pescoço e a coluna. Parecia um dançarino de break”, brinca Anderson, que hoje consegue encarar a síndrome com mais tranquilidade.
Infelizmente, muitos portadores acabam sofrendo mais com o preconceito do que com a doença em si. “Os tiques são involuntários, ou seja, não dependem da vontade da pessoa. Esses sintomas acabam gerando um impacto importante na vida do portador”, explica a psicóloga Rosana Mastrorosa, especialista em terapia cognitivo-comportamental e membro da Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo Compulsivo (Astoc).
A síndrome é incurável. Apesar da tendência à diminuição dos tiques após a idade adulta, eles sempre podem reaparecer e, em muitos casos, com maior intensidade, em ligação direta com os fatores psicológicos do paciente. “Haverá períodos de melhora e piora dependendo do momento que cada um estiver enfrentando. Em situações de maior ansiedade, os sintomas poderão ficar mais exacerbados”, afirma Rosana. É por isso que, de acordo com o neurologista Nasser Allam, é no início da adolescência que os pacientes sofrem mais. Além da angústia típica da idade, as alterações hormonais aumentam os tiques.
O desconforto é grande, como atesta Auber Lopes de Almeida, 45, autor do blog Clic Nervoso. “Aos 14 anos, fui agredido com um cascudo por uma professora que não conseguia passar a lição porque eu, sentado bem à frente, estava mexendo muito os ombros e a cabeça. Ela, percebendo aquilo, não se concentrava. Chamavam-me de Tic-tic, de esquisito, de maluco, me imitavam de forma caricata, era apontado no pátio da escola”, enumera. Auber é um caso de diagnóstico tardio. Só aos 36 anos, durante um tratamento para apneia, foi alertado para a natureza de seu problema e começou o tratamento medicamentoso. “Jamais imaginei que havia uma doença que forçava os portadores a agirem dessa maneira”, desabafa.
Os tiques do blogueiro incluem: virar a cabeça suavemente para a direita; aproximar o queixo do peito, levantando os ombros simultaneamente; fazer movimentos circulares com os polegares das duas mãos quando caminha; fazer movimentos de abertura e fechamento dos polegares quando está sentado; rotacionar o tronco para a direita; abrir os braços como se fosse voar; esticar a perna e o pé esquerdo ao máximo, simultaneamente com movimentos do polegar esquerdo; com a boca fechada, levantar todos os músculos interligados ao lábio superior em direção ao nariz; fechar os olhos com força; fungar o nariz várias vezes seguidas; e pigarrear constantemente. Nem todos se manifestam ao mesmo tempo. Tudo vai depender do grau de estresse em que ele se encontra. “Agora estou passando por uma fase de extrema ansiedade. Sob condições serenas, a média fica em torno de cinco a sete tipos de tiques.”
Busca por qualidade de vida
Brasília é referência na busca por novos tratamentos da doença. Em estudo desenvolvido na Universidade de Brasília (UnB) para pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), comorbidade que afeta 70% dos pacientes com Tourette, o neurologista Pablo Vinícius Oliveira Gomes pesquisou 21 pessoas por meio da estimulação magnética transcraniana (HIPERTEXTO), método indolor, seguro e não invasivo em que é trabalhado o córtex cerebral, selecionando uma área dele que será estimulada ou inibida, dependendo da frequência usada. No caso da pesquisa, foi inibida a área motora suplementar do sistema nervoso central.
“Fizemos um estudo controlado no qual inibimos essa área por acreditarmos que ela poderia estar hiperativa nesses pacientes, justificando a falta de controle do seu movimento motor. Os resultados foram excepcionais: conseguimos uma melhora em 60% dos estudados”, assegura Pablo Vinícius. Entretanto, ainda faltam estudos para viabilizar o uso da estimulação magnética transcraniana nos consultórios. O especialista pretende iniciar uma nova pesquisa no ano que vem. “Queremos ver o que acontece dentro do cérebro na medida em que estou inibindo e o paciente está melhorando. Isso pode nos ajudar a compreender mais a doença e a desenvolver novos tratamentos.”
Os tratamentos atuais combinam acompanhamento psicológico e administração de medicamentos com um certo grau de efeitos colaterais. “A psicoterapia é indicada para que o portador reorganize os movimentos repetitivos a seu favor e também recupere a autoestima”, explica Rosana Mastrorosa.
E, claro, é indispensável o apoio familiar. Daniela Torres, contabilista de 40 anos, descobriu que o filho tinha síndrome de Tourette ainda na primeira infância do garoto. Grávida pela segunda vez, os médicos garantiam que os tiques do mais velho eram decorrentes da ansiedade trazida pelo nascimento do irmão.
“Não me conformava com essa história de ciúmes, porque o irmãozinho foi muito esperado. Então, começamos a levá-lo para vários neurologistas e todos tinham o mesmo diagnóstico: Coréia de Sidehan”, recorda. Foram seis meses de tratamento errado para uma doença que o garoto não tinha até uma opinião acertada. “Ano passado, decidi que a síndrome não venceria minha família, então resolvi entendê-la. Me alimentei de Tourette, dormi Tourette, acordei Tourette, respirei Tourette. Foi um ano difícil porque, na adolescência, as coisas se complicam. Me dediquei a ele e a Tourette. Ela teria de ser nossa parceira, não uma inimiga. E conseguimos.”
Ela diz que a melhor forma de lidar com a síndrome é não escondê-la, principalmente da criança. Daniela comunicou a escola, buscando apoio para ajudar o filho, além de informar as pessoas próximas que, apesar do Tourette, não havia nada de errado com Leandro. “ Não se isole da família e dos amigos. Eles precisam saber o que é a síndrome para nos dar apoio.” Só com esse apoio, o paciente pode entender que ele só não tem controle sobre os movimentos, mas ainda o tem sobre a própria vida, como reforça o professor Anderson Guimarães, que conta com a cumplicidade da mulher. “Tenho bons e maus momentos. Quando me estresso com algo, fica muito difícil me controlar. Só tenho dó da minha esposa, que muitas vezes recebe, durante o sono, uma cotovelada ou joelhada sem querer”, brinca.
“Não me conformava com essa história de ciúmes, porque o irmãozinho foi muito esperado. Então, começamos a levá-lo para vários neurologistas e todos tinham o mesmo diagnóstico: Coréia de Sidehan”, recorda. Foram seis meses de tratamento errado para uma doença que o garoto não tinha até uma opinião acertada. “Ano passado, decidi que a síndrome não venceria minha família, então resolvi entendê-la. Me alimentei de Tourette, dormi Tourette, acordei Tourette, respirei Tourette. Foi um ano difícil porque, na adolescência, as coisas se complicam. Me dediquei a ele e a Tourette. Ela teria de ser nossa parceira, não uma inimiga. E conseguimos.”
Ela diz que a melhor forma de lidar com a síndrome é não escondê-la, principalmente da criança. Daniela comunicou a escola, buscando apoio para ajudar o filho, além de informar as pessoas próximas que, apesar do Tourette, não havia nada de errado com Leandro. “ Não se isole da família e dos amigos. Eles precisam saber o que é a síndrome para nos dar apoio.” Só com esse apoio, o paciente pode entender que ele só não tem controle sobre os movimentos, mas ainda o tem sobre a própria vida, como reforça o professor Anderson Guimarães, que conta com a cumplicidade da mulher. “Tenho bons e maus momentos. Quando me estresso com algo, fica muito difícil me controlar. Só tenho dó da minha esposa, que muitas vezes recebe, durante o sono, uma cotovelada ou joelhada sem querer”, brinca.
Ao criar o site Clic Nervoso, Auber Lopes de Almeida tomou a decisão de não esconder a Tourette. Hoje, se apresenta como touréttico e não perde uma oportunidade de, em vez de se revoltar, explicar ao seu interlocutor os motivos daqueles movimentos sem controle. “Quando me olham atravessado ou riem, eu explico que tenho uma síndrome incurável, que já sofri bastante por aquilo e que gostaria de ter a compreensão da pessoa. Todos, sem exceção, pedem desculpas. Não raro, me perguntam mais a respeito.”
Fonte:
As pessoas devem começar a conhecer a ST assim como o diabetes, o câncer, a hipertensão... e terem o direito de tratamento e qualidade de vida assim como qualquer outro paciente!
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